quarta-feira, 19 de março de 2014

Crítica para os dois volumes de Ninfomaníaca

A ninfomaníaca e sua forma de se punir pelos pecados cometidos

Despida-se de qualquer moralidade. Essa é a regra número 1 para acompanhar as quase quatro horas dos dois volumes de Ninfomaníaca. Saiba que o título dá nome a "maldição" carregada pela personagem principal, mas está longe de ser o foco do diretor Lars Von Trier. Então a regra número 2 é abrir bem a mente para as discussões que surgirão. Prepare-se para ver orgãos genitais, sexo explícito e alguma auto-mutilação em closes. Sendo assim, a regra final seria: se não for para terminar, nem comece. 



 Feita essa exposição inicial, tenho a dizer que Ninfomaníaca é um dos melhores trabalhos do diretor. Aqui, ele abandona as "viagens" de longas recentes como Melancolia e Anti-Cristo, e não ousa tanto no aspecto visual e narrativo de obras como Dogville e Manderlay, então, por mais incrível que pareça: "Ninfomaníaca" talvez seja seu filme mais fácil de acompanhar. Não tem truques. É uma narrativa clássica e linear com nenhuma dose de surrealismo. Tem começo, meio e fim - desde que você veja o dois volumes. O primeiro não termina e o segundo não tem começo. 

O filme se inicia com Seligman (Stellan Skarsgard) encontrando Joe (Charlotte Gainsbourg) toda machucada e suja jogada numa viela. Após levá-la para sua casa, ele questiona sobre o ocorrido e ela passa a contar toda sua trajetória que eclodiu naquela situação. Conheceremos a vida de Joe, segundo sua própria (e única) perspectiva, desde a infância até seus atuais quarenta anos. Ela se utiliza de objetos encontrados na casa de Seligman para fazer ligação com suas passagens (ou capítulos, como ela mesmo chama) e, em resposta, Seligman sempre faz comparações dos acontecimentos com obras literárias e musicais que ele conhece, mostrando-se um dos personagens mais cultos de toda a filmografia do diretor. 

Sexo é o tema, mas não é a discussão. O desejo incontrolável de Joe pelo sexo (afirmando ter até dez relações com homens diferentes numa mesma noite) é na verdade uma analogia do diretor com o desejo incessante e inesgotável do ser humano que extrapola todos os limites e torna-se vício (ou obsessão!). Se Scorsese escolheu mostrar esse desejo abordando o Poder em O Lobo de Wall Street, Trier escolheu o sexo. Essa descida ao inferno (Dante?) também já foi mostrada com as drogas em Trainspotting e com a própria sociedade em Crash - No Limite - vencedor do Oscar de Melhor Filme. 

O roteiro discute religião. Quanto mais Joe se culpa pelo seu pecado, mais ela se pune - chegando ao sadomasoquismo. Sigman é um ateu que tem amplo conhecimento das religiões, ao mesmo tempo em que Joe não demonstra valores morais, ela diz de ser um "mau ser humano" que peca. O roteiro discute a Sociedade. Se um homem fizesse tudo o que Joe fez, ele teria o mesmo julgamento por parte desta sociedade hipócrita - como ela questiona?. O roteiro discute o Amor. Joe tem uma ligação com seu primeiro homem (Shia LeBeouf) e, em meio a tanto sexo com tantos parceiros, demonstra amá-lo. De qualquer forma, é permitido amar para um ninfomaníaco? Onde se encaixa a fidelidade? O que é ser fiel? Não transar com outros parceiros e/ou não amar outra pessoa? Até mesmo a pedofilia é discutida e talvez seja uma das passagens mais controversas da obra. 

O elenco é muito competente. A participação de Uma Thurman no Volume 1 é como se de repente um furacão passasse pela tela. Jamie Bell - que só aparece no segundo Volume - demonstra que é um dos melhores atores de sua geração. Charlotte Gainsbourgh merecia uma indicação ao Oscar, mas Oscar é algo ocidental e pudico demais para reconhecer profissionalismo em meio a tabus. 

Você não mudará nenhum pensamento sobre nada do que será mostrado, mas conhecerá um pouco mais sobre um mundo curioso e que talvez nunca tenha sido mostrado nos cinemas. E no meio de tanta verborragia, há chances de que o filme não fique em sua mente pelo tema do título e toda a ilustração sexual explícita, mas sim pelas discussões abordadas em torno da sociedade. Somos assim tão egoístas e hipócritas?

Ninfomaníaca - Volume 1 será lançado nas videolocadoras em Abril e dois meses depois, a segunda parte.

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