quinta-feira, 9 de março de 2017

Crítica: Silêncio é uma das obras mais pessoais de Scorsese



Em Silêncio, Martin Scorsese volta ao tema que ele já visitou de forma tão direta quanto aqui por duas oportunidades, pois a religião era o centro das atenções no idílico Kundun (97) e no controverso A Última Tentação de Cristo (88). Neste novo filme ele aborda tanto o Budismo - mesmo que de forma distante - quanto o Cristianismo, que é a espinha dorsal do roteiro.


Na história, dois padres portugueses (Andrew Garfield e Adam Driver) solicitam permissão á Igreja para sair em busca do desaparecido missionário Ferreira (Liam Neeson), responsável por propagar o Cristianismo no Japão do século XVII, exatamente numa época em que eles eram perseguidos, capturados e torturados, até que provassem que negam o nome de Jesus Cristo - num gesto simbólico de pisar em sua imagem.

Quem está acostumado com o Martin Scorsese de tiros, gangsters, insanidade e drogas, vai estranhar a lentidão com que Silêncio caminha por suas mais de 2 horas e meia de projeção. Mas quem se render a atmosfera quase etérea, mesmo que violenta, e a linda fotografia, será brindado com um dos melhores filmes sobre a discussão da fé e todos os seus questionamentos.

O roteiro, baseado no livro escrito por Shusake Endô em 1966, foi escrito pelo próprio Scorcese. Enferrujado talvez nesta função, pois seu último havia sido Cassino (95), ele deixou que longas discussões e passagens tornassem ainda mais lenta a narrativa. As cenas, em todo momento colocam a prova a fé dos padres, e principalmente, dos aldeões convertidos. Por exemplo, como podem, pessoas simples de um lugar tão distante, abrirem mão de sua crença nos ensinamentos de Buda, que aprenderam a adorar desde a infância, e transferirem toda sua devoção a um novo salvador? Em certo momento, uma cristã japonesa é questionada do motivo de tamanha calma ao estar sendo levada para a morte por não negar o nome de Jesus Cristo, e ela responde: "Nos foi ensinado que estaremos indo morar ao Seu lado no Paraíso, longe dessa terra de violência, fome e impostos". Ou melhor, a discussão da fé chega ao nível de subliminar uma intenção de suicídio sem culpa. A promessa do paraíso é o que move a fé e não a bondade? A próprio título da obra gira em torno da fé, pois como podemos acreditam tanto diante de tanto silêncio na espera de respostas? Durante toda a projeção descobrimos outras camadas e direções desse tema, como a tendências dos padres se verem como o próprio Jesus Cristo ao seguir seus ensinamentos e penitências. 

A produção é impecável na fotografia do colaborador usual de Scorsese, Rodrigo Prieto (O Segredo de Brokeback Mountain) nos remete aquele Japão de vilarejos isolados, que acabou lhe rendendo a única indicação ao Oscar para o filme. Por vários momentos sonhei com a ideia dessa equipe produzir um seriado do mangá O Lobo Solitário, que traz exatamente a mesma atmosfera, o que eu até hoje não havia imaginado.

O elenco está fabuloso com Andrew Garfield, em ótima fase e indicado ao Oscar este ano por Até o Último Homem de Mel Gibson. Ele poderia até ter descolado uma segunda indicação por este papel. Driver e Neeson servem perfeitamente como coadjuvantes que deixam o protagonista brilhar.

Indicado para fãs do Scorsese de Kundun e A Última Tentação de Cristo. E obrigatório para cristãos que tem seus questionamentos de fé e tentam entendê-las e aceitá-las.  



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