quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Crítica: Boyhood - Da Infância a Juventude - obra única na história do cinema

O crescimento e envelhecimento no cinema nunca foi tão real

Onde você estava em 2002? Com muito esforço você se lembrará de um dia ou outro, assim como momentos pontuais de seus anos seguintes até chegar ao dia de hoje. Naquele ano, o diretor Richard Linklater estava iniciando as filmagens de “Boyhood”, com o ator mirim Ellar Coltrane estreando a frente das câmeras. Juntamente com Patricia Arquette que havia acabado de filmar Natureza Quase Humana (01), Ethan Hawke que preparava o roteiro de Antes do Por do Sol (04) ao lado do próprio diretor e sua própria filha Lorelei na época com 8 anos. Nos doze anos seguintes, ele continuaria filmando o mesmo longa-metragem, cerca de três ou quatro dias por ano, com o mesmo elenco central. Esta é a premissa de um dos mais arrojados projetos da história do cinema. E não é que essa “colcha de retalhos” ficou muito boa? Um dos melhores filmes sobre “chegada a maturidade” de todos os tempos.


Você acompanha doze anos na vida de Mason (Coltrane), desde sua entrada na escola até a ida para a faculdade. Filho de pais separados (Hawke e Arquette) e irmão caçula da pentelha Samantha (Lorelei). A vida do personagem que nos é apresentado não é das mais fáceis. Visitas esporádicas do pai, dificuldades financeiras, padrastos bêbados, e pra “piorar”, uma forma diferente de enxergar a vida comparado aos outros garotos da idade – não por acaso escolheu a fotografia como objeto de estudo ao atingir uma certa idade.

Apesar do arrojo óbvio do projeto, o maior triunfo do filme é a simplicidade. O diretor Richard Linklater é um dos melhores observadores da vida real no cinema contemporâneo – vide sua trilogia estrelada por Ethan Hawke e Julie Delpy – sendo assim, sua proximidade com o cotidiano comum dessa família é tão grande que conseguimos ver nossa própria família ou conhecidos nossos em vários momentos. Não espere grandes segredos a serem desvendados, tragédias, paisagens perfeitas e vitórias esmagadoras. O diretor consegue nos mostrar que as passagens mais lindas e memoráveis de nossa vida estão no momentos mais singelos. Um diálogo com conselhos, um presente de um parente distante, uma festa qualquer num final de semana qualquer ou, até mesmo, uma promessa não cumprida cujo rancor seria esquecida minutos depois... 

As quase três horas de duração parecem pouco quando percebemos que vamos acompanhar o crescimento “real” de uma pessoa. A passagem do tempo é o próprio envelhecimento do elenco – e ter a chance de assistir a isso é admirável. Tudo embalado numa trilha sonora inesquecível que começa com “Yellow” do Coldplay e “acaba” com a deliciosa “Deep Blue” do Arcade Fire, passando por Paul McCartney, Bob Dylan, Vampire Weekend, Gnarls Barkley e muitos outros.

Desde já, um dos mais cotados para o Oscar 2015 de Melhor Filme, Direção, Edição, Roteiro Original e interpretações, principalmente Patricia Arquette que nos entrega a melhor atuação do longa e uma das melhores do ano.

E quando tudo acaba, você só torce para que neste momento o diretor esteja se reunindo com o elenco para mais três ou quatro dias de filmagens e que isso ocorra nos próximos doze anos, para que em 2026 possamos conferir o que aconteceu na vida de Mason. E em se tratando de Richard Linklater, sabemos que isso não é nada impossível. 


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