O crescimento e envelhecimento no cinema nunca foi tão real |
Onde você estava em 2002? Com muito esforço você se lembrará
de um dia ou outro, assim como momentos pontuais de seus anos seguintes até
chegar ao dia de hoje. Naquele ano, o diretor Richard Linklater estava
iniciando as filmagens de “Boyhood”, com o ator mirim Ellar Coltrane estreando
a frente das câmeras. Juntamente com Patricia Arquette que havia acabado de
filmar Natureza Quase Humana (01), Ethan Hawke que preparava o roteiro de Antes
do Por do Sol (04) ao lado do próprio diretor e sua própria filha Lorelei na
época com 8 anos. Nos doze anos seguintes, ele continuaria filmando o mesmo
longa-metragem, cerca de três ou quatro dias por ano, com o mesmo elenco
central. Esta é a premissa de um dos mais arrojados projetos da história do
cinema. E não é que essa “colcha de retalhos” ficou muito boa? Um dos melhores
filmes sobre “chegada a maturidade” de todos os tempos.
Você acompanha doze anos na vida de Mason (Coltrane), desde
sua entrada na escola até a ida para a faculdade. Filho de pais separados
(Hawke e Arquette) e irmão caçula da pentelha Samantha (Lorelei). A vida do
personagem que nos é apresentado não é das mais fáceis. Visitas esporádicas do
pai, dificuldades financeiras, padrastos bêbados, e pra “piorar”, uma forma
diferente de enxergar a vida comparado aos outros garotos da idade – não por acaso escolheu a fotografia como objeto
de estudo ao atingir uma certa idade.
Apesar do arrojo óbvio do projeto, o maior triunfo do filme
é a simplicidade. O diretor Richard Linklater é um dos melhores
observadores da vida real no cinema contemporâneo – vide sua trilogia
estrelada por Ethan Hawke e Julie Delpy – sendo assim, sua proximidade com o cotidiano
comum dessa família é tão grande que conseguimos ver nossa própria família ou
conhecidos nossos em vários momentos. Não espere grandes segredos a serem
desvendados, tragédias, paisagens perfeitas e vitórias esmagadoras. O diretor
consegue nos mostrar que as passagens mais lindas e memoráveis de nossa vida
estão no momentos mais singelos. Um diálogo com conselhos, um presente de um
parente distante, uma festa qualquer num final de semana qualquer ou, até
mesmo, uma promessa não cumprida cujo rancor seria esquecida minutos depois...
As quase três horas de duração parecem pouco quando
percebemos que vamos acompanhar o crescimento “real” de uma pessoa. A passagem
do tempo é o próprio envelhecimento do elenco – e ter a chance de assistir a
isso é admirável. Tudo embalado numa trilha sonora inesquecível que começa com
“Yellow” do Coldplay e “acaba” com a deliciosa “Deep Blue” do Arcade Fire,
passando por Paul McCartney, Bob Dylan, Vampire Weekend, Gnarls Barkley e
muitos outros.
Desde já, um dos mais cotados para o Oscar 2015 de Melhor Filme, Direção, Edição, Roteiro Original e interpretações, principalmente Patricia Arquette que nos entrega a melhor atuação do longa e uma das melhores do ano.
E quando tudo acaba, você só torce para que neste momento o
diretor esteja se reunindo com o elenco para mais três ou quatro dias de
filmagens e que isso ocorra nos próximos doze anos, para que em 2026 possamos
conferir o que aconteceu na vida de Mason. E em se tratando de Richard Linklater,
sabemos que isso não é nada impossível.
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